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À CONVERSA COM.... A CAVALEIRA ANA BATISTA
À CONVERSA COM.... A CAVALEIRA ANA BATISTA
04 de Agosto de 2020

Numa altura de desconfinamento devido ao COVID_19 e a poucos dias da corrida comemorativa dos 20 anos de Alternativa da cavaleira, o Forcadilhas e Toiros esteve à conversa com… a Senhora da Tauromaquia Ana Batista.

Ana Cristina Marramaque Batista, 42 anos, natural de Salvaterra de Magos, uma grande mulher do nosso país, uma grande portuguesa e um exemplo de superação esteve à conversa connosco através da nossa colaboradora e sua amiga Bé Guida, que com muito gosto e emoção dirigiu à cavaleira os nossos parabéns pelos seus 20 anos de alternativa.

A cavaleira agradeceu com igual satisfação a nossa presença na sua quinta e em grande cumplicidade deixou-nos este “À conversa com Ana Batista”.

FT – Como é que nasceu o teu gosto pela arte de tourear?

AB – O meu pai tinha meia dúzia de éguas e tive o prazer e a sorte de um dia conhecer o Mestre David Ribeiro Telles. O meu pai tem doze filhos e ele sempre teve gosto que um deles montasse a cavalo e nenhum dos filhos quis cavalos, eu era a filha do segundo casamento e o meu pai tentou sempre incutir-me esse bichinho.

Eu montava as éguas a campo, desenrascava-me e quando conheci o Mestre Ribeiro Telles que foi lá ver as éguas para comprar ao meu pai, eu estava a montar e o Mestre achou engraçado. Eu era muito pequenina e tive a sorte, um grande privilégio de ele me convidar para ter aulas com ele e com os filhos na Quinta da Torrinha. Aí comecei a ganhar este bichinho pela tauromaquia. Foi quando comecei a ir mais às corridas para ver o António Ribeiro Telles que era o meu ídolo, o João Ribeiro Telles, o Manel Ribeiro Telles que também toureava na altura. Das primeiras voltas à arena que eu dei foi com o António Ribeiro Telles, fui-lhe entregar um ramo de flores em Santarém e foi aí que ouvi as minhas primeiras conversas. Tinha aulas também com o equitador Jorge Moranguinho que me perguntava se eu queria aprender a saltar ou se queria aprender a montar com o boi manso que era o Ramalhete e eu achava… saltar não, não acho muita piada e achava mais giro montar ao boi manso e montava muitos cavalos. Tive a sorte de poder montar muitos cavalos de toureio e de aprender muita coisa com essa família maravilhosa.

FT – Ainda te recordas do dia em que vestiste a casaca pela primeira vez? E foi onde?

AB – Recordo-me perfeitamente porque a minha história é diferente de um cavaleiro normal. O cavaleiro normal tira a prova de praticante, com a prova de praticante depois é que veste a casaca e comigo foi diferente. Como eu integrei o quarteto das Amazonas D’el Arte, fiz um certo número de corridas em praças de primeira e isso deu-me a equivalência a cavaleira profissional. Já tinha toureado algumas corridas em Portugal inclusive uma em Salvaterra de Magos era para acontecer um mano-a-mano entre o António Telles e o Vítor Ribeiro que na altura era praticante e não se podia fazer a corrida porque não dava 50/50 e então entrei eu, que como era profissional de toureio, para se poder fazer a corrida, mas as pessoas não me viam, não me consideravam como profissional porque olhavam para mim com o traje das Amazonas e pensavam que eu ainda era amadora. Eu não quis prescindir da nossa cerimónia que é tão bonita e portuguesa e nós somos a pátria do toureio a cavalo e fiz questão de fazer essa cerimónia lindíssima que foi no dia 8 de julho em Coruche.

FT – Foi em Coruche e quem é que te apadrinhou?

AB – Tive como padrinho de alternativa o Mestre Joaquim Bastinhas e a madrinha simbólica a deusa, digamos, do toureio a cavalo Conchita Cintrón que me ofereceu a cruz que ainda hoje carrego ao peito.

FT – Em que países já toureaste, quais são as diferenças que encontras em relação ao toureio português e acredito que a tua preferência seja efetivamente o toureio português, ou preferes uma outra forma de tourear?

AB – Eu toureei em Espanha, integrei o quarteto das Amazonas D’el Arte, foi uma temporada muito grande, fiz 52 corridas. Era uma miúda, não tinha a experiência que tenho hoje. Hoje ia ser diferente de certeza. Não tinha uma grande quadra de cavalos, mas deu-me muita experiência, muito traquejo, ensinou-me a sobreviver. Foi muito duro… as viagens, tourear todos os dias seguidos, ter de dormir nos carros, ter cavalos em clínicas e chegar lá no outro dia e só ter um ou dois cavalos para poder tourear…, mas isso ajudou-me a amadurecer. Recordo-me que quando fizeram esse quarteto era uma organização muito profissional. Eu era a mais novinha e eles tinham medo e disseram-me: “Ana precisas de alguma coisa?” No início éramos para fazer 10 ou 12 corridas,  eles estavam com receio que eu não conseguisse fazer as 10 ou 12 corridas e sempre muito carinhosos e atenciosos comigo perguntavam se eu queria dinheiro adiantado para poder comprar algum cavalo e quando acabou a temporada eles diziam: “não sei do que é que tu és feita portuguesa, mas tu foste a única”. Felizmente, com muita sorte, fui a única que consegui fazer as 52 corridas, porque houve colegas minhas que tiveram alguns percalços e eu fui a única que, com apenas 16 anos, consegui fazer as 52 corridas. Ensinou-me bastante e ensinou-me a superar. O poder de superação foi muito importante.

FT – É verdade. (fazendo um parêntesis) Eu recordo-me que vocês quatro foram tourear ao Campo Pequeno e lembro-me perfeitamente que aqui de Salvaterra saíram pessoas e pessoas e pessoas. Lembro-me de estar à porta do Campo Pequeno e de ver chegar carros com pessoas, na altura era uma reinforces de 7 lugares não havia monovolumes e via-se sair gente dos carros todos e senti naquele momento um grande orgulho, como ainda hoje sinto, por ter na minha terra uma mulher extraordinária como tu. E naquele dia percebia-se… a gente da tua Terra que foi de propósito a Lisboa para ver e para aplaudir porque era um sucesso e toda a gente falava. E foi um espetáculo absolutamente extraordinário.

Esse resultado para além de te ter amadurecido muito teve uma grande influência na tua carreira enquanto cavaleira?

AB – Teve porque eu era apenas uma miúda e tive que… o meu pai que era um grande, grande, aficionado e sempre me incutiu isto, chegou a uma certa altura que se assustou porque nunca pensou que isto chegasse e se tornasse tão sério. E fazer este número de corridas em Espanha dava-lhe medo e isto dos toiros em pontas sempre lhe meteu muito respeito e ter de matar os toiros… e o meu pai aí não me apoiou muito e disse-me que não me ia dar dinheiro para pôr para tourear. Recordo-me que ia com uma agenda, com um bloquinho, punha as despesas todas, o traje que eu comprei, tinha que sobrar um X de uma corrida e um X de outra corrida e tive o Paco Duarte que era meu bandarilheiro na altura, que é um grande profissional, e que é um grande sobrevivente também da nossa festa e ensinou-me bastante e lutou, fazíamos pacotes, íamos a hotéis e discutíamos preços e a alimentação… e isto tudo foi… fez-me crescer. Fez-me crescer e fez-me amadurecer e ter a responsabilidade de que depois tinha dois cavalos na clínica, veterinários extraordinários, veterinários espanhóis que não me conheciam de lado nenhum e eu deixei os cavalos ao seu encargo. Estava descansada, ia fazer as outras corridas e deixavam-me pagar as coisas às prestações, foram impecáveis. E uma família onde eu ficava em Madrid, e onde depois ficaram os meus cavalos, foram pessoas mesmo extraordinárias que me ajudaram bastante e esse, o bandarilheiro, Paco Duarte sem dúvida foi muito profissional.

FT – Como é que concilias a arte do toureio com a tua vida particular?

AB – Está tudo ligado porque o meu marido é equitador, é também a grande base disto. É ele que está comigo todos os dias, que me ajuda bastante, é muito exigente comigo. Não é fácil, por vezes, porque ele monta-se a cavalo dum burro e consegue tourear num burro e eu se calhar tenho de trabalhar mais para que consiga fazer as coisas que ele consegue. É muito importante ter uma pessoa como o Orlando ao meu lado para conseguir ter um tipo de vida porque, como costumo dizer, são 24 horas dedicadas a esta profissão.

FT – Quantas horas treinas em média por dia e como é que ocupas o teu tempo livre, se é que o tens?

AB – Isto, a quarentena não me fez diferença porque a minha vida já é tão dedicada ao trabalho que as pessoas dizem tenho saudades de ir aqui, de ir ali, e eu vivo muito aqui. Também foi um privilégio poder estar na quinta, estar no campo e não estar fechada num apartamento, mas é aqui que eu sou feliz. Claro que por vezes sinto falta de sair e falta de férias, nem sempre consigo tirar férias. É uma grande responsabilidade com os animais e temos de estar sempre a cuidar deles e ter uma pessoa responsável e ficar entregues a ele sozinho dá-nos muito receio e nós temos medo e por vezes não podemos abdicar deles para termos férias, mas a minha vida como costumo dizer são 24 horas. 24 horas dedicadas aos cavalos.

FT – E o que é que gostas de fazer para além de tourear?

AB – Adoro fazer… adoro jardinagem. Adoro, por exemplo estes cactozinhos que estás a ver, cactozinhos que coloquei e estão lindíssimos, cresceram todos. Adoro pintar, adoro decorar, adoro pintar movéis e restaurar movéis. Dentro da quinta, por exemplo se já está chuva, frio, não se está a proporcionar para treinar dedico-me a outras coisas sempre aqui por perto dos meus meninos, dos cavalos.

FT – Se não tivéssemos uma Ana Batista cavaleira teríamos uma Ana Batista…

AB – Veterinária.

FT – Achas que o teu percurso nesta profissão foi mais ou menos difícil por seres mulher? Estamos numa fase em que se fala tanto das dificuldades das mulheres no mercado de trabalho, sentiste isso?

AB – Eu acho que não por ser mulher, na altura por ser jovem. Acho que é difícil para qualquer um. É uma profissão difícil, muito difícil e nós sempre vimos na história do toureio a cavalo que as figuras que são hoje é porque já têm o pai que era toureiro ou porque já têm uma estrutura montada e começar aqui do nada não é fácil. Apesar do meu pai ter sido ligado aos cavalos, ensinou-me a gostar de cavalos, mas não tinha essa estrutura montada quer dizer, mas sem dúvida que ele foi importantíssimo e sem ele não conseguia porque o meu pai sempre teve o cuidado em ter um equitador para me ensinar. Nunca estive sozinha e acho que isso é muito importante, nós termos sempre alguém connosco a ajudar-nos e nós não sabemos tudo e mesmo as grandes figuras têm sempre alguém ao lado deles e nós nunca podemos pensar que já sabemos tudo, senão assim não podemos crescer mais.

FT – Encontras diferenças no toureio de um homem e de uma mulher?

AB – Sim, porque nós temos que… há uma coisa que é, nós temos menos força que um homem. Principalmente, nas corridas em Espanha e no México que eu fiz, claro que nós temos mais dificuldades, nós fisicamente não temos tanta força para agarrar no rojão de morte, mas depois temos outras características. Temos mais sensibilidade e essa sensibilidade é muito importante para montar a cavalo e depois para levar isso para a praça que também são pontos que podemos ganhar e tirar proveito ali naquela altura em que estamos a tourear.

FT – Para além de não gostares de amarelo em dias de corrida, para além de não gostares de fotografias a três e, salvo erro, não gostares de ter chapéus em cima da cama, que mais superstições tens?

AB – Tenho algumas, agora assim não me lembro… Gosto de entrar na arena com o pé direito, não gosto de ver pessoas vestidas de amarelo mesmo sem ser eu, mas já tentei eliminar essas superstições e vou-te contar… não consegui. É assim, numa corrida, nós no quarteto acabávamos por nos vestirmos juntas. Às vezes ou não havia hotel ou não tínhamos tempo e aí vestíamo-nos todas juntas e depois respeitávamos os rituais de cada uma. Uma deixava a luz acesa, outra não sei quê e acabei por ter 100 mil superstições e a minha mãe disse: “Estás a ficar maluca, não pode ser. Tens de pensar que tens de acreditar é em Deus e essas coisas não contam.” Na primeira corrida do ano a seguir, eu comprei a minha camisola amarela... eu em pequenina andava sempre vestida de amarelo porque era a cor preferida da minha mãe. Foi um grande desgosto para a minha mãe, mas depois quando me apercebi disto nos toiros que a cor amarela era a cor da fome, eliminei a cor amarela da minha roupa. E então, comprei uma camisola amarela, a minha mãe também levou uma peça de roupa amarela, o camionista por coincidência estava com uma peça amarela e sem querer esse meu bandarilheiro que nunca entrava no meu quarto, nesse dia, ele é que descarregou as coisas, o meu traje e colocou o chapéu em cima da cama.  E eu… isto tudo hoje. Tentei me mentalizar e lá está, o pensamento positivo “isto vai correr bem, isto não conta” e então fui tourear e foi um sucesso. Correu-me lindamente com um cavalo novo que tinha tido uma grande atuação,  rematei muito bem, cortei duas orelhas e um rabo. Cheguei ao quarto e a minha mãe disse: “Estás a ver filha? a mãe não tinha razão? Isto das superstições é tudo uma treta isto não conta, correu-te lindamente”. Essa corrida era longe de tudo, tipo numa serra, nós almoçámos lá numa tenda porque eram lá as festas e era o único sítio onde nós podíamos comer. Depois nós estávamos a tomar banho e a vestirmo-nos rápido para irmos embora, para ver se ainda encontrávamos alguma coisa pelo caminho aberta. Entretanto,  começou-se a falar que o senhor da bilheteira tinha fugido com o dinheiro, não havia dinheiro da corrida e ficámos… onde é que está o senhor? O empresário foi atrás da bilheteira e nunca mais chegava e estivemos lá até muito tarde. Aí passei mesmo muita fome, não jantei, fiquei lá até de madrugada, quando viemos não apanhámos nada aberto, estava tudo fechado e fiquei sem o dinheiro da corrida. Por isso, não arrisco mais, o amarelo é mesmo a cor da fome! 

FT – Descreve-nos o teu toureio.

AB – Não é fácil eu falar de mim. É assim, tento tourear à portuguesa, fazer um toureio clássico, um toureio frontal, mas nós estamos sempre dependentes de uma coisa que é o mais importante para nós que é o cavalo e o toiro. Quando nós entramos na arena, nós e o cavalo temos de nos tornar num só. Eu tenho uma série de cavalos, mas eu tenho de me adaptar também um bocadinho a eles. Tentar pô-los um bocadinho mais próximo daquilo que eu sinto e daquilo que eu gosto, mas nem sempre conseguimos isso a 100% e nós temos de trabalhar e temos de nos aproximar o mais possível. Por alturas da nossa vida que conseguimos entrar em praça e dar-mos o nosso melhor e estarmos lá com a nossa personalidade e por vezes há cavalos que não nos deixam fazer isso e fazem com que nós tenhamos um toureio um pouco diferente, mas temos de incutir a nossa personalidade na mesma porque temos que nos adaptar a eles e porque não é fácil todos os dias ter cavalos que sejam 100% aquilo que nós gostamos e aquilo que nós sentimos.

FT – O que é para ti um bom toureio e uma boa lide?

AB – É um conjunto muito grande… eu gosto de ver um toureiro que vá de frente, que coloque os ferros ao estribo, que lide, gosto de ver um cavalo bom e o toureiro a lidar bem, gosto. Acho que é mesmo muito bonito. E os nossos toiros portugueses é preciso sabê-los estudar muito porque são toiros que têm muitas crenças, as nossas praças são mais pequenas e temos de estar muito listos e por isso dá-me muito prazer estar nas bancadas e ver um colega meu a perceber a crença do toiro e colocá-lo. Estou a aprender e estou a desfrutar ao mesmo tempo. É das coisas que me dá mesmo prazer.

FT – Um toureiro que te tenha servido de fonte de inspiração? Um ídolo, para ti?

AB – Tenho vários quer dizer, nós em Portugal somos a pátria do toureio a cavalo e temos toureiros mesmo muito, muito bons. Se nós quiséssemos fazer muitas corridas com seis cavaleiros conseguíamos fazer cartéis com muita importância, mas um ídolo para mim, desde pequenina, foi o António Ribeiro Telles. Mas, há outros, claro que tenho um grande… e aprendo com eles, muito, todos os dias e vês-me muitas vezes nas corridas. Gosto muito de ir ver porque sou aficionada e gosto de dar apoio aos meus colegas, estou lá estou a torcer e estou a sofrer e também para aprender. Nós a ver aprendemos muito.

FT – Com quem gostavas de partilhar um cartel?

AB – Assim, com vários. Fazer uma corrida com seis cavaleiros... não é fácil. João Moura, é um ídolo para mim, um ídolo muito grande, é uma pessoa fora de série, é uma pessoa extraordinária. António Ribeiro Telles, Rui Salvador, Rouxinol, vou pôr famílias para ver se consigo chegar lá. Diego Ventura que é primeiríssima figura, mas não vou pô-lo aqui só por primeiríssima figura que todos nós sabemos, mas é, para quem cá fora não sabe, das melhores pessoas que eu conheço. É dos colegas que se nós precisarmos de alguma coisa é o primeiro a estar ao nosso lado para nos ajudar. É uma família extraordinária. É da minha família porque ele é primo direito do meu marido, mas mesmo que ele não fosse do nosso sangue eu sei que ele seria assim também connosco.

FT -   Com quem gostarias de partilhar uma lide?

AB – Olha, sabes das lides mais bonitas que eu tive a duo foi com o João Ribeiro Telles. Antes de eu tourear eu disse: “Esteja à vontade se eu fizer alguma coisa de mal diga-me” e ele: “Não Aninhas, tu vais andar à tua vontade, eu não te vou dizer nada. Tu, é como tu quiseres, vamos estar aqui para que tudo corra bem”. Mal sai o toiro, ele põe-se esquerda, direita, Ana prá direita, Ana prá esquerda, bem… com uma noção, uma coisa fora do normal, como eu nunca vi. Com uma noção do que é o terreno dos toiros, o que era chegar ao público, o que era tirar partido… tivemos uma atuação linda. Parecia que nós tínhamos toureado todos os dias e que tínhamos treinado todos os dias. O meu pai chegou ao final da corrida disse: “é pá como é que possível? só vi isto entre ti e o teu irmão. Uma lide a duo tão bonita como é que vocês fizeram?” e o João dizia: “é que nós temos treinado todos os dias…”. O meu pai: “a sério? Tens ido lá à Torrinha treinar?”

FT – Qual é o teu sentimento em relação aos forcados e achas que eles são uma parte importante da corrida?

AB – Sem dúvida nenhuma. Os forcados, primeiro, são amadores. Têm muito, muito valor para mim e posso dizer que são os que mais força têm neste momento da nossa festa e das pessoas que levam mais gente aos toiros.

FT – Diz-nos uma praça onde te apetecesse muito tourear?

AB – Campo Pequeno e Salvaterra.

FT – Descreve-nos a sensação de ver um toiro sair à arena para ser lidado por ti.

AB – A concentração… sabes que nós passamos ali mal, falo por mim, passamos ali mal antes de sairmos à praça. Quando a porta fecha, quando nós ouvimos aquele trim, a concentração é tão grande quando o toiro sai, para ver as atitudes que o toiro tem, que nós esquecemos um bocadinho do medo, que dizer medo que estamos ali a viver uma grande adrenalina, mas já não é aquela coisa que estamos a viver antes de sair o toiro. Nós estamos tão concentrados em nós, no cavalo e no toiro, e temos de estar mesmo, para conseguir tirar o maior partido do toiro.

FT – Passando para um assunto menos simpático, falemos das tuas colhidas. Quais foram as colhidas mais graves, o que é que achas que correu mal, que lesões sofreste e consequentemente quanto tempo por causa de uma colhida ficaste parada e sem poder treinar?

AB – Eu não fiquei parada muito tempo porque era tonta. Por exemplo, nesta de Coruche, tinha que ficar parada e tinha imensas dores mas tomei muita medicação e como tinha corrida passados três dias no Campo Pequeno, no dia a seguir experimentei montar a cavalo. Não consegui e telefonei para o médico a dizer: “quero a medicação mais forte que aí tiver porque eu quero tourear. Quero que me tire estas dores. E eu recordo-me que fui tourear ao Campo Pequeno e não me lembro de certos colegas a dar-me os parabéns e a dar-me um abraço. Estavam felizes por eu ter conseguido superar e estar com tantas dores. Lembro-me que o António me tocava na perna e eu dizia: “não me toque António”, eu estava toda negra. E pronto, outras quedas que eu tive…  lembro-me que no México quando fui a primeira vez, nesse ano eu fraturei as costelas três vezes. Fraturei a primeira no dia 1 de janeiro, no México, toureei fraturei a costela no primeiro toiro, toureei o segundo toiro, estava com imensas dores, não aguentava com dores e fui ao médico. O médico disse: “tem a costela partida não pode sequer montar, porque é perigoso por já estar a tocar no pulmão” e o meu apoderado chegou ao pé de mim e disse-me: “Ana, isto nunca mais pode acontecer porque depois de uma queda não pode querer ir tourear. É um perigo, se estava com a costela partida tinha de ir logo ao médico e eu estive a falar com o médico…”. À tarde, surgiu a oportunidade de eu ir tourear à praça México. Telefona-me logo a dizer: “Olha, sabes, afinal o doutor telefonou-me e disse-me que acha que afinal não é tão grave, tu podes treinar, podes fazer a tua vida normal, até podes começar a dar umas corridinhas para teres preparação física e olha tenho uma grande notícia vamos tourear à praça México”. E então, os pisos no México eram pisos muito complicados, nessa corrida onde eu caí e parti as costelas… aquilo já há muitos anos que não se davam lá corridas de toiros a cavalo e então aquilo teve um grande impacto e toda a gente sabia que a praça ia estar esgotada. Depois, cheguei a Portugal e tive uma queda terrorífica para mim que foi das piores, em que faturei não sei quantas costelas na Azambuja e aconteceu uma coisa que foi o toiro pisar-me e com a aflição eu parecia que estava colada, não conseguia respirar e o toiro não saía de cima de mim. Queria gritar e não conseguia, tipo sai de cima de mim por favor. Aí foi a que eu senti que tive mais dificuldade em recuperar. Voltei a tourear passado um mês, mas ainda não estava muito recuperada e toureei em Samora um toiro. Foi o pior toiro que toureei na minha vida e ao cravar um ferro o toiro veio cá acima, agarrou-me no sítio onde já tinha as costelas fraturadas e voltou a fraturar-me outra costela. Então nesse ano, foram três costelas fraturadas. Foi um ano difícil.

FT – Tiveste apoios na tua recuperação? consideras necessária a existência de um seguro para casos de apoio quando sofres uma queda e não podes trabalhar? E no teu entender a cobertura para este tipo de acidentes é suficiente ou devia ser maior?

 AB – É assim eu como disse era maluca, nunca usufrui dessas coisas porque não parava, continuava a tourear. A nossa despesa como cavaleira é muito grande e eu prefiro fazer o sacrifício de tourear. Eu toureei com o pé partido, eu toureei com as costelas partidas, porque essas corridas fazem-nos falta. O inverno é muito grande, a nossa despesa é muito grande e viver disto é muito difícil e por mais que a gente possa ir buscar dinheiro aqui ou ali, um seguro nunca é o suficiente e nunca compensa nós ficarmos em casa sem tourear.

FT – Como é que te sentes a regressar à praça depois de uma colhida mais grave?

AB – Olha, quando foi o ano passado que é a que eu me lembro melhor, foi a mais recente, que eu quero esquecer, a de Coruche, é assim nas outras quedas que eu tive os cavalos escorregaram, os cavalos…, foram coisas que não foi por culpa do toiro, não foi por culpa de nada, foram coisas que nos acontecem até a sair de casa. Essa de Coruche foi um bocado assustador porque o toiro tinha coisas complicadas como outros toiros têm, mas no último ferro teve uma investida, uma coisa assustadora porque o toiro do nada investe e quando investe eu já ia no meu limite e sabia que ia ser agarrada, que não tinha hipótese porque foi uma investida fora do normal. O toiro teve uma capacidade para me agarrar que não era muito normal tanto que eu quando caí, quando fui para a enfermaria, o toiro teve a mesma reação quando viu os forcados e correu á doida e foi contra as tábuas, partiu o corno e foi a sorte dos forcados que já não tiveram de o pegar. Mesmo assim, se calhar foi das quedas que mais me apercebi que ia cair, se calhar à partida tinha que me assustar mais, mas a responsabilidade de ir ao Campo Pequeno e querer tourear e a ânsia era tão grande que fez-me superar essas dores e ter vontade de ir tourear, esquecer o medo e depois já não nos lembramos do medo.   Lembramos é que temos de estar bem, temos de triunfar porque as pessoas estão a pagar o bilhete e não sabem se nós estamos com dores se não estamos, se nós temos nódoas negras se não temos e nós temos de chegar lá e dar o nosso melhor. Por isso a responsabilidade era maior ainda porque o meu receio era que chegasse lá e não aguentasse fisicamente, mas tentei dar o meu melhor e como era um toiro, pensei tenho de dar o meu melhor e tenho de chegar lá e triunfar. Mas, o mais difícil ainda, claro que aqueles 15 minutos são difíceis, mas o nosso dia-a-dia aqui, preparar os cavalos e com dores, acordar com dores e pensar eu nem consigo andar como é que eu vou montar? Ainda por cima nessa altura parece que andava aqui uma bruxinha, o Orlando tinha caído também não sei quantas vezes,  também estava nozado e não conseguia montar. E eu recordo-me que só conseguia montar os cavalos a passo, nessa altura nem a galopar, a galopar tinha imensas dores e não os conseguia galopar e para os manter bem fisicamente e estarem bem da boca, montava-os a passo e Deus nosso Senhor esteve do meu lado e correu-me bem essa do Campo Pequeno e correu a de Salvaterra e a da Nazaré, Foram corridas com muito sacrifício, com muitas dores, mas que correram bem Graças a Deus.

FT – Falando agora de coisas positivas, nestes anos de carreira tens recebido alguns troféus. Qual é o significado dos troféus para ti?

AB – São tudo… nestes vinte anos, são esses que me fazem recordar coisas muito bonitas e sabes que esta minha corrida dos vinte anos faz-me lembrar muito uma corrida em que eu participei eu tinha catorze anos. Era uma corrida de oportunidade aos jovens no Campo Pequeno, com toiros muito grandes, todos com mais de 600 kg, toiros Quinta da Foz. Eu era uma miúda, tinha dois ou três cavalos, eu nunca tive assim muitos cavalos, fui treinar uns dias antes à praça de Salvaterra e o piso estava muito rijo e os cavalos ficaram todos coxos e eu senti… o que vai ser de mim não é, não tinha cavalos, os cavalos estavam coxos. Depois o veterinário chegou cá deu uma injeção muito forte aos cavalos para deixarem de estar coxos e depois essa injeção adormecia e adormecia tudo. Adormecia a boca também e eles faziam muita força na boca e eu não podia com os cavalos e só tinha um, que era o Pinóquio e foi o cavalo com que fiz a lide completa e Graças a Deus correu muito bem. Esta corrida faz-me lembrar muito essa corrida porque às vezes penso, passados vinte anos ainda sofro como sofria há catorze anos. Esta profissão é o que tem, é uma luta, nós temos de lutar não é por andarmos cá vinte anos… temos de lutar todos os dias porque nós não pensamos, ah são vinte anos agora vou aqui, vou à corrida, vou disfrutar, vou com a ganadaria que eu quero, não, não é assim. Infelizmente, não é assim mas também é o que torna esta profissão ainda mais bonita, são estes desafios. É claro que eu montava todos os dias, neste tempo de quarentena e nisto tudo, mas já estávamos mentalizados que não ia haver corridas e nós não treinávamos assim com esta intensidade como estamos a treinar, não podemos, não se pode gastar dinheiro no aluguer de vacas, tinha que se poupar e agora estes quinze dias que soube que ia tourear ao Campo Pequeno, tourear intensamente, preparar os cavalos, é um stress, responsabilidade não estarmos toureados e ser uma ganadaria que é uma ganadaria que pede contas que é a ganadaria Grave. Não é fácil mas é um desafio muito grande.

FT – Qual é a tua quadra para 2020?

AB – A minha quadra de cavalos é composta pelo Roncal, Conquistador, o Pérola, o Instinto Forte, o Altivo, o Artista, o Descarado que é um cavalo novo que tem três anos e que o estreei no festival no Campo Pequeno. É um cavalo muito novo, mas que eu tenho grandes esperanças. O Obélix e tenho esta quadra de cavalos que quero agradecer também muito aos coudélicos que me ajudam e que confiam em mim e que por exemplo, este o Altivo, que tem o ferro Manuel António, um coudélico aqui de Salvaterra que me ajuda bastante e que faz todo o gosto e que me ofereceu um cavalo para tourear com o ferro dele, como o Pedro Lapa que tenho dois cavalos com o ferro dele e o Alves Inácio que também tenho dois cavalos com o ferro Alves Inácio que é o Descarado e o Instinto Forte e sem essas pessoas não era possível porque eu não nasci nesta vida. Estou sozinha e eu e o Orlando temos que batalhar muito e são estas pessoas que nos ajudam e que estão por trás da Ana Batista.

FT – Quantas corridas pensas fazer este ano?

AB – Olha, sabes que não estou a acreditar que vá fazer muitas. O ano passado o meu sonho era comemorar os meus vinte anos no Campo Pequeno, mas achava que era impossível ou muito difícil e caiu-me esta do céu. Uma corrida sim senhora muito difícil, com uma grande responsabilidade, se calhar sou maluca em aceitá-la porque se calhar não estou toureada o suficiente para… se calhar sou maluca porque é uma corrida com muita responsabilidade e isso tudo, mas vou estar bem, tentar dar o meu melhor, mas caiu-me do céu e tenho de agradecer isso porque é uma corrida muito bonita. É o Campo Pequeno e é os meus 20 anos de alternativa e não sei se vou ter muito mais porque as coisas estão muito complicadas. Claro que nós temos de ajudar a festa, mas neste momento nós também não podemos pôr dinheiro para tourear. Todos nós estamos a viver uma situação complicada e por isso não sei. E vamos ver se assim as praças maiores como o Campo Pequeno, é mais fácil haver os 50% porque sempre conseguimos tirar mais qualquer coisa, mas as praças pequenas vai ser um bocadinho mais difícil tanto para nós como para os empresários. Vamos ter que todos lutar muito, nós, os empresários, os ganaderos, temos de lutar… os jornalistas, temos de estar o mais unidos que nunca.

FT – Qual é o tipo de toiros que gostas que te saiam em sorte?

AB – É assim, não vou mentir, nós os toureiros dizemos assim: “Ah… os Murube, claro! São os toiros mais fáceis”. Se me perguntares assim: “Já toureaste muito Murube?” respondo: “Não, nunca toureei um Guiomar Cortes de Moura que são dos maiores Murubes que há. Toureei um Passanha ou dois, onde tive uma das melhores atuações da minha vida. Agora perguntas-me: “Já toureaste Teixeiras? “Sim muitos” “Já toureaste Graves?” “Sim, muitos” “Já toureaste Palhas?” “Sim, numa temporada toureei dez corridas seguidas com toiros Palha com muita idade e com muito peso, em todo o tipo de praças”. Não me posso dar ao luxo, nunca fui uma toureira de escolher ganadarias, mas se tiverem de me perguntar “Olha vais-te encerrar aqui com um Grave ou com um Murubezinho?” Claro que, para o público uma grande atuação com um Grave tem um grande mérito, mas para nós é mais fácil tourear um Murube.

FT – Tens alguma ganadaria especial? Alguma que seja a tua favorita?

AB – Tenho uma ganadaria que eu tenho uma simpatia especial porque é uma ganadaria que já me saíram toiros muito bons e toiros muito difíceis e que eu consegui sempre triunfar, que é a Veiga Teixeira.

É engraçado porque houve um ano que toureei em Vila Franca e os toiros saíram-me extraordinários. Foi a corrida também em que comemorei os meus quinze anos de alternativa, que toureei um toiro com 740 kg, foi o maior toiro que toureei na minha vida e saiu extraordinário dentro dos possíveis, saiu muito bem, correu muito bem. E entre outros toiros, lembro-me de uma corrida nas Caldas que me saiu um toiro terrorífico e que me correu lindamente e uma vez em Almeirim que me saiu o toiro mais pequeno da corrida e saiu com uma velocidade que eu nunca apanhei nenhum toiro na minha vida, que eu cheguei ao segundo ferro comprido e estava cansada. Eu já não sabia onde estava e perguntava onde é que está a porta dos cavalos, que ele não parava. Daqueles toiros que me deu um grande, grande triunfo.

FT – Costumas ler as críticas às tuas atuações?

AB – Não.

FT – Mas tens noção por exemplo, daquilo que fazes durante a corrida e se no dia a seguir souberes que existiram críticas que foram menos justas em relação a ti, como é que te sentes?

AB – Triste, triste, eu sou muito exigente comigo e peco por isso e tenho uma coisa mais, o Orlando ainda é cem vezes mais exigente comigo. Às vezes na corrida, as coisas até podem não estar a 100%, mas eu sou tão exigente que já estou a transmitir que não está a 100% e se calhar só eu é que estou a ver e a sentir. Às vezes digo mesmo “Orlando diga para eu não me esquecer de não transmitir que alguma coisa…” Estás a perceber? É isto… às vezes o meu apoderado diz: “disfruta Ana, disfruta”. Eu vou para os meus 20 anos de alternativa e o meu apoderado telefonou-me e disse: “Ó Ana é para disfrutares, é para comemorares os teus 20 anos…”

Não! Eu vou, como disse há pouco, como se fosse tourear com catorze anos, com grande sentido de responsabilidade. É mau para mim, porque sofro mais, mas é a minha maneira de ser e não consigo mudar e é assim que também conseguimos chegar mais perto da perfeição, porque da perfeição a gente nunca consegue.

FT – Que pensamentos e ideias te pode transmitir um novo apoderado quando te estimula, por exemplo, a realizar corridas fora de Portugal?

AB – Têm que ser um projeto muito grande, muito bem montado como foi este do quarteto das Amazonas D’el Arte, como foi este do México, porque tourear fora de Portugal… as coisas não estão fáceis tanto em Portugal como fora e fora de Portugal ainda mais porque nós não conhecíamos… no México então eu sentia-me uma miúda, catorze aninhos quando cheguei ao México, era um mundo novo, estava a viver numa quinta. Imagina que me puseram num programa, num Big Brother. Eu fechada com o meu marido e mais os bandarilheiros e, aquele mundo completamente assustador, nós não conseguíamos sair para beber um café. Um mundo completamente diferente. E tinha de ser uma coisa assim mesmo à profissional como foi. Só para teres ideia, no México, as viagens eram muito grandes, os cavalos chegavam a fazer quatro horas de viagem e nós por vezes íamos de avião para chegar mais cedo e dois dias antes fazíamos quatro, cinco entrevistas para televisões, rádios, jornais.  Quando chegavam os cavalos montávamos na praça para irem lá os jornalistas, para irem as pessoas, para terem contacto connosco, para fazermos sessão de autógrafos. Foi um projeto muito grande porque o meu nome não era conhecido no México, para divulgarem o meu nome, tanto que as coisas correram tão bem que acabei por fazer doze corridas inclusive uma delas na Praça México na data mais importante do México, na corrida do aniversário. Uma corrida onde não entrava um rejoneador há mais de vinte anos. Foi um trabalho muito, muito grande da parte dos meus apoderados no México, do Enrique Fraga.

FT – Vais continuar a ser apoderada por José Luís Gomes?

AB – Sim.

FT – Qual é a importância do apoderado na tua carreira?

AB – Acho que um apoderado, mais do que nunca, um apoderado tem de ter muita força, mas como mulher o que é mais importante para mim é a amizade. Haver uma grande amizade, um grande respeito e depois então… não é fácil conseguir conciliar as duas coisas. Sei que o José Luís Gomes não é empresário, tem a praça do Sobral que é uma coisa muito pequena para este mundo, não tem se calhar a força suficiente que nós queríamos, mas tem a outra virtude que já me conhece há muitos anos, é uma pessoa muito respeitadora, tem uma grande amizade e por isso já faz parte da minha equipa há algum tempo.

FT – Como é que encaras o aparecimento de novos valores tauromáquicos?

AB – Acho que é muito importante e mais do que nunca nós não nos podemos esquecer que como o meu caso, que não tinha ninguém da minha família a tourear. Eu participava em muitos espetáculos de oportunidades aos jovens e acho que faz falta e há muito poucos. Como é que estes “Zé Ninguém”, que não é conhecido no mundo dos toiros vai começar a tourear logo como amador ao lado das figuras? É impossível. Tem de haver esse tipo de garraiadas, festas da escola como havia antigamente. Eu recordo-me que não toureava uma vaca em casa, eu não tinha possibilidades de comprar vacas para treinar e eu montava a toirinha, montava a vaca mansa e depois ia tourear nessas garraiadas e toureava vacas e foi assim que eu fui adquirindo um bocadinho de experiência. Como há aquelas garraiadas em Albufeira, mas que são muito dispendiosas para os jovens porque é em Albufeira e nem todos têm essa possibilidade, mas como se faz em Albufeira, acho que se devia fazer noutros sítios para os miúdos se entusiasmarem e pensarem, não sou filho de nenhum toureiro mas também posso ser toureiro porque há oportunidades.

FT – Vejo-te recorrentemente a assistir a corridas de toiros, mesmo agora, há pouco, disseste que o fazes, é com alguma regularidade e todos sabemos disso. Como é que te sentes quando estás na bancada a assistir a uma corrida de toiros? 

AB – Sofro. Sofro pelos meus colegas, divirto-me com eles, fico feliz quando eles têm grandes atuações.

Vou contar-te uma história… uma vez o Margaça na corrida de Vila Franca teve um grande triunfo e no meio do triunfo teve uma grande queda e eu chorei, quando ele acabou de tourear chorei. E ele dizia: “mas uma toureira que cai que também te acontece isso, agora está a chorar?” E eu disse-lhe eu não estou a chorar pela tua queda, eu estou a chorar de alegria pelo teu triunfo.

FT – Como é que te sentes quando entras numa praça e só vês metade da praça cheia?

AB – É triste, mas temos de nos mentalizar de que é a nossa realidade.

FT – Se tivesses poder para tal o que é que poderias fazer de forma a chamar ou a atrair mais pessoas às praças?

AB – Neste momento não podemos fazer nada porque agora nós estamos um bocadinho condicionados com esta situação toda, mas precisávamos aqui mais da ajuda da televisão. Acho que a televisão era uma forma de trazer aficionados novos às praças pessoas que não têm possibilidades de conhecer o nosso meio, haver um programa televisivo mesmo para conhecer o nosso dia-a-dia que é o que eu acho que é a parte mais bonita que nós temos, lidar com os cavalos, os nossos treinos, a preparação dos cavalos, é tudo tão bonito e as pessoas não conhecem. Se as pessoas conhecerem um bocadinho disto ficam apaixonadas e não conseguem…

Vou contar uma história… ontem estiveram aqui na quinta dois Açorianos. Vieram aqui, foram à falcoaria, entraram, vieram ter comigo e disseram: “nós somos de São Miguel…”. Não eram aficionados, mas ficaram encantados com isto porque não conheciam o que está por trás de uma corrida de toiros e perguntei: “então vocês vão ficar cá quanto tempo no Continente?”, eles disseram que iam ficar mais quinze dias e disse-lhes: “então venham à minha corrida”. Eles disseram: “nunca fomos a nenhuma corrida, sabe que nós somos de São Miguel e não somos muito aficionados, mas vamos pensar e se calhar vamos ponderar e vamos estar presentes na corrida”.

FT – O que é que achas que pode ser feito para melhor a festa de toiros no nosso país?

AB – Divulgar, temos de ter mais força, temos de estar muito unidos mais do que nunca e criar formas de… nós temos aqui ao lado Espanha e, custa-me dizer isto e ir buscar o exemplo dos espanhóis, mas eles estão a fazer um excelente trabalho. Têm um canal televisivo que tem muita força, eles estão a criar cada vez mais programas e nós devíamos ir um bocadinho por aí. Divulgar, divulgar a nossa festa porque é uma coisa tão bonita e as pessoas não conhecem e quando conhecerem não vão ficar indiferentes e aquelas pessoas com mais idade que já não têm possibilidade de ir aos toiros ou mesmos os jovens pequeninos que ainda não conhecem isto vão ficar apaixonados e isso era muito, muito importante.

FT – Qual é o balanço que fazes destes 20 anos de alternativa?

AB – Foram sempre coisas muito bonitas, superei muita coisa. Esta profissão é mesmo uma profissão de superação, tem de haver muito poder de superação, superei muita coisa e chego aos vinte anos e não tenho tudo. Nesta profissão nós temos de lutar todos os dias, todo o dia que acordamos é um dia diferente e é uma luta diferente.

FT – No ano em que comemoras os 20 anos da tua alternativa, foi inaugurado no passado dia 1 de março a exposição “Ana Batista: 20 Anos de alternativa”. Qual foi o significado para ti?

AB – Foi uma exposição muito bonita. A Câmara de Salvaterra é sempre muito simpática para mim, nunca se esquece e comemora sempre os meus aniversários. Tratou-me com muito carinho e são estes tipos de iniciativas que a Câmara me faz, que me faz sentir que vale a pena e é este carinho com que as pessoas reconhecem o meu trabalho e as pessoas que estiveram presentes e estiveram lá para me acarinharem. É muito importante, é isso que nos dá força para continuar.

FT – O que é que sentes quando olhas para as fotografias que estão expostas?

AB – Olha, eu sou tão exigente que olho para as fotografias e estou a ver assim, este pormenor aqui está mal, mas há fotografias que, por exemplo fotografias em que eu tinha dez anos já não vou ver se o pormenor está mal ou não, riu-me, acho piada e penso se eu tivesse uma filha não deixava essa filha fazer o que eu fiz na minha vida, não deixava. Eu com onze anos toureei um toiro em Salvaterra. Eu não deixava uma menina com onze anos que mal conseguia subir para um cavalo tourear um toiro. Eu fiz coisas… que não deixava. Felizmente, que a lei está diferente e que os praticantes já não podem tourear toiros com certa idade, com certo peso.

Eu passei por coisas, que foi Deus que esteve ao meu lado e me ajudou a superar porque eu não tinha idade nem experiência para conseguir superar porque tourear, com catorze anos, um toiro com 640 kg da Quinta da Foz só com um cavalo, estavam os cavalos todos coxos, é um milagre. Um milagre grande.

FT – És uma mulher extraordinária. Estavam previstas várias iniciativas comemorativas deste marco de 20 anos da tua alternativa e a COVID_19 veio aqui colocar muita coisa em pausa. Ainda assim, haverá mais alguma iniciativa até ao final do ano?

AB – Olha, eu estava tão desanimada com isto, que eu já estava a pensar comemorar os meus vinte anos para o ano em vez deste ano, mas como eu te disse surgiu esta corrida que é um marco importante e tenho de ver a coisa pela parte positiva. Imagina, mesmo que eu só toureie esta corrida, dou-me ao privilégio de tourear duas vezes no Campo Pequeno, já houve anos em que não toureei nem sequer uma no Campo Pequeno. Tourear duas vezes no Campo Pequeno que foi uma corrida muito gira que teve um impacto muito grande que foi o Festival da Tauromaquia, tive o prazer e o privilégio de tourear essa corrida e tourear agora esta corrida de comemoração dos meus vinte anos. Tive ainda a sorte de uns dias antes de isto tudo parar, conseguir inaugurar a minha exposição que está em standby, mas que vai continuar em breve. Também não me posso sentir… tenho de ver a parte positiva que mesmo assim está a correr bem.

FT – Até onde é que esperas chegar?

AB – Olha… uma pergunta que me fizeram há pouco tempo, fiz uma entrevista em direto e estávamos a falar dos vinte anos e o individuo perguntou: “e quando é que se vai retirar?” E eu assim, isto assusta-me, retirar? Nunca tinha pensado nisso, isto não é muito bom, esta pergunta não é muito simpática, mas é assim tenho 42 anos, se calhar as pessoas pensam nunca houve mulheres a tourear com tanta idade e eu se calhar há uns anos atrás pensava que não chegava aos 42 anos, mas Graças a Deus consegui chegar até aqui. Fisicamente com as minhas mazelas ou não, psicologicamente estou mais forte que as minhas mazelas, consigo superar as dores que tenho, faço aquilo que eu gosto, se tenho essas dores faz parte  do trabalho. Tenho o privilégio de fazer o que gosto, é duro, às vezes muitas vezes penso porque é que escolhi esta profissão, mas ás vezes 5 minutos de um triunfo supera isto tudo. Peço a Deus que me dê um grande triunfo para o Campo Pequeno porque está a ser difícil, difícil estes dias, uma grande pressão e eu espero que seja tudo compensado no dia 6.

FT – Vai tudo correr bem. Como é que te defines?

AB – Eu? Eu com a idade mudei muito. Olha, estou chorona antes não era chorona agora estou muito sensível. Não era nada, agora sou assim sensível, é a vida que nos ensina a dar… por exemplo, sempre fui muito sensível porque sempre fui de dar tudo às pessoas mesmo muito ocupada na minha profissão, ter tempo para ligar para uma amiga como é que estás como é que não estás e depois quando não sou retribuída sou sensível. Tenho esse defeito, não devia ser tanto, devia ser um bocadinho mais fria. Olha, não telefonas pronto não faz mal, pôr isso de lado. Não, magoa, fico triste porque dou tanto e depois quero que as pessoas sejam iguais para mim, mas as pessoas não são todas iguais. Tenho de aprender a viver com isso e não aprendi. Já tinha idade suficiente para aprender e não aprendi. Sou às vezes… eu não me conheço porque às vezes sinto que sofro, que não aguento mais e depois vou buscar forças às vezes que eu não tinha noção. Imagina, eu tenho acordado às 6 da manhã, um quarto para as 6 o meu despertador está a tocar e eu digo não vou conseguir montar, estou toda partida. Começo a andar, começo a rezar e começo a ir buscar energia ao sol ou não sei onde e vou buscar forças e supero isso. Por exemplo, na minha melhor corrida no Campo Pequeno, uma amiga minha abriu a janela e disse assim: “olha tão gira esta vista, vê-se daqui a praça de toiros”. Ui, fecha isso. Sabes aqueles dias… nem todos os dias as pessoas têm vontade de ir trabalhar, de ir fazer qualquer coisa, por mais que gostem há dias em que estamos desanimados e eu estava nesses dias. Estava desanimada e depois como é que eu cheguei lá e tive a atuação da minha vida? Não sei, não me conheço.

FT – Ora bem, perguntas para resposta numa palavra:

A TUA MELHOR LIDE

Campo Pequeno

UM/A CAVALEIRO/A

Orlando

UMA GANADARIA

Veiga Teixeira

UM FORCADO

Caló

UM TOUREIRO

António Ribeiro Telles

UM BANDARILHEIRO

Diogo Vicente

UM CAVALO

Obélix

UM COLEGA

Mestre David Ribeiro Telles

UMA PRAÇA

Salvaterra de Magos

UM CLUBE

Benfica

UM JOGADOR

Cristiano Ronaldo

UM FILME

Sangue e Arena

UM DESTINO DE FÉRIAS

Brasil

UM PAÍS

Portugal

UMA CIDADE

Lisboa

PRAIA OU CAMPO

Campo

COMIDA FAVORITA

Cozido à Portuguesa

Arroz de Pato

UM SONHO

Triunfar dia 6 no Campo Pequeno

UMA VIAGEM

Praça México em trabalho

México para disfrutar do

que não conheci

UMA NOITE DE VERÃO OU DE INVERNO

De inverno

 

Uma palavra/sugestão para o Forcadilhas e Toiros:

Parabéns e Obrigada por serem umas pessoas maravilhosas, tão aficionadas e amigos que são.

 

Entrevistadora: ISABEL MARGARIDA COELHO

Guião: CÉLIA DOROANA

Fotos: MÓNICA SANTA BÁRBARA / ARMANDO ALVES