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À CONVERSA COM.... JOÃO GASPAR, GANADERO TERCEIRENSE
À CONVERSA COM.... JOÃO GASPAR, GANADERO TERCEIRENSE
08 de Junho de 2021

De pastor a ganadero
No ano em que completa 10 anos de existência, fomos conhecer mais uma ganadaria com provas dadas, estando à conversa com.... João Gaspar que dá nome á ganadaria.

FT – Há quantos anos existe a Ganadaria João Gaspar e qual a sua origem?

JG - A ganadaria João Gaspar fez, este ano, exatamente 10 anos de existência. Existe, portanto, desde o início de 2011. A mesma surgiu quando os Irmãos Toste anunciaram que iriam vender a ganadaria. Na altura procuraram o meu pai, no entanto, tendo em conta que ele já tinha uma idade avançada considerou que este já não era um desafio “para si”, tendo transmitido esta informação à família. Depois desta conversa vim para casa e comecei a pensar que poderia pegar neste desafio, porque praticamente toda a minha vida esteve ligada aos touros. Desde pequeno, que o meu pai sempre teve touros e também fui muitos anos pastor da Ganadaria Rego Botelho. Estive trinta anos a lidar com estes animais.
Com a minha família decidi então abraçar este desafio. O meu filho também sempre gostou muito de touros e touradas e, ainda que novo, apoiou esta decisão e comprometeu-se a ajudar, designadamente no que diz respeito a tratar dos touros.

FT – Quem foi o seu fundador e quem a representa ou dirige atualmente?

JG - Fui eu, João Gaspar, o seu fundador e sou eu quem, ainda hoje, a representa e dirige, com o apoio da minha família e muito particularmente com a ajuda do meu filho, João Paulo Gaspar.

FT – Quantas pessoas tem na sua manutenção e qual o papel de cada uma?

JG - De forma mais direta, a manutenção da ganadaria é assegurada pelo meu filho. É ele quem, na maioria dos dias, assegura a larga parte da logística associada à alimentação e cuidados do gado. Eu, no meu dia a dia, estou mais ligado a outras atividades agrícolas, mas que também concorrem para a manutenção da ganadaria, como sejam a produção de alimentação. A minha esposa colabora em diversas atividades e tarefas da ganadaria, como sejam as administrativas, de registo de animais, de organização de iniciativas da ganadaria, etc. A minha filha também dá o seu contributo, competindo a ela, em várias circunstâncias, a representação da ganadaria.

A ganadaria conta também com o prestimoso e muito importante apoio de muitos familiares e amigos.

FT – Que tipo de animais possuem na ganadaria?

JG - A ganadaria possui reses da raça brava de lide e da raça brava dos Açores. Esta última, principalmente desde que adquiri os animais que eram da ganadaria do meu pai – Ganadaria João Gaspar pai, que cessou a sua atividade no ano de 2019.

FT – Qual a origem das vacas e sementais “fundadores” da ganadaria?

JG - As vacas e sementais “fundadores” da ganadaria foram adquiridos à Ganadaria Irmãos Toste, que, por sua vez, havia adquirido as vacas a Paulo Caetano e os sementais às ganadarias de Lupi e Simão Malta.

FT – Atualmente os animais existentes já são todos nascidos cá ou têm vacas e sementais de outras ganadarias?

JG - Temos vacas e sementais de outras ganadarias, maioritariamente da Ganadaria Rio Frio, a quem adquirimos há cerca de 5 anos mais um semental.

 

FT – Descreva-nos a vida dos vossos animais em campo.

JG - Têm uma vida com todas as condições necessárias ao seu harmonioso desenvolvimento e para que possam ser apresentados em Praça ou nas ruas da ilha Terceira com um trapio que dignifique a festa brava. Estas condições reportam necessariamente a condições ambientais, de alimentação e ao nível da prestação de cuidados sanitários.

FT – Possuem toiros para toureio a cavalo, toureio a pé e para a corda? Como são selecionados os animais para cada tipo de toureio?

JG - Estamos especialmente vocacionados para o toureio a cavalo e para a corda. A seleção dos animais é feita essencialmente no âmbito de tentas.

FT – De que forma é feita a avaliação da bravura das vacas e quais os critérios utilizados?

JG - A bravura das vacas é aferida essencialmente nas tentas, que nos permitem ver a forma como as mesmas respondem aos diferentes impulsos, dado que nos permitem validar (ou não) o seu carácter agressivo, a sua forma de deslocamento (galope), a sua capacidade de combater de forma destemida, a sua nobreza.

FT – Essa avaliação é efetuada por quem?

JG - Por mim e pelo meu filho, sendo que, por vezes, contamos também com a opinião de alguns amigos mais próximos.

FT – Há alguma altura específica para a sua realização?

JG - Geralmente têm lugar após o fim da época taurina.

FT – Após a avaliação da bravura das vacas, qual o seu destino?

JG - As vacas aprovadas voltam ao campo e aquelas que reprovamos são abatidas.

FT – Qual a composição da alimentação dos animais?

JG - A alimentação dos animais é composta por erva da pastagem, silo de milho, silo de erva, palha e ração.

FT – Quais os maiores cuidados de saúde de que os animais necessitam?

JG - Primeiramente devem ter uma alimentação adequada, para que se possam desenvolver da forma mais saudável possível. Qualquer situação que suscite preocupação é analisada e acompanhada por médico veterinário, sendo que a desparasitação faz parte da rotina anual destes animais.

FT – O que significa a ferra e qual a sua importância para a ganadaria?

JG - A ferra é o momento da marcação dos animais. No entanto, nas ganadarias da ilha Terceira, onde se inclui a nossa, a mesma tem um significado especial. É um dia de festa na ganadaria, em que aproveitamos para apresentar a todos os amigos e familiares aficionados um novo lote de animais e também uma forma de agradecermos a todos a ajuda e confiança que depositam no nosso trabalho.

FT – Já recebeu algum prémio ou galardão? Qual o seu significado?

JG - Sim, desde a nossa existência que, felizmente, temos sido brindados com vários prémios, quer de apresentação, quer de bravura e, claro, que os mesmos têm um significado importante. No fundo, representam todo o esforço e empenho que colocamos nesta atividade.

FT – Manter uma ganadaria não deve ser fácil. Quais são as maiores dificuldades?

JG - De facto, trata-se de um investimento considerável e que, por isso, não torna a sua manutenção uma tarefa fácil.

Diria que uma das maiores dificuldades está relacionada com o nosso clima, em que, durante o inverno, lidamos com meses bastante chuvosos e frios, que condicionam bastante a alimentação que conseguimos obter diretamente da pastagem, e, de verão, com meses bastante secos, em que é muito pouca a água que conseguimos captar diretamente das chuvas.

FT – Num ano em que o Mundo foi assolado pela pandemia causada pelo COVID-19, essas dificuldades por certo aumentaram. De que forma tem a ganadaria vivido este tempo?

JG - Sim. Não têm sido tempos fáceis. A receita que as ganadarias obtêm resulta só e apenas das touradas em que participam. Num ano em que não há touradas falamos de um ano em que todas as despesas se mantêm praticamente iguais, no entanto não há qualquer retorno financeiro, o que resulta, naturalmente, num saldo negativo. Resistir a esta situação durante um ano é difícil, mas torna-se verdadeiramente complicado quando começamos a senti-lo num segundo ano consecutivo.

FT – Obteve algum tipo de apoio ou ajuda?

JG - Sim. O Governo Regional dos Açores criou, no ano transato, um mecanismo de apoio aos ganadeiros, que visou compensar, de alguma forma, a total falta de receitas causadas pela não realização de touradas. Ainda que não corresponda, naturalmente, àquele que seria o lucro da nossa atividade, a verdade é que aquele apoio constituiu uma importante “bolsa de ar” para que os ganadeiros tenham conseguido assegurar a devida alimentação e cuidados sanitários aos animais. As Câmaras Municipais da ilha Terceira também não deixaram de apoiar as ganadarias. A Câmara Municipal da Praia da Vitória deu um apoio às ganadarias a fundo perdido, sendo que a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, através da contratação de touradas, a realizar naquele concelho, assim que possível, veio contribuir para uma maior liquidez durante este período conturbado.

Infelizmente, a situação em 2021 não está a evoluir tão favoravelmente como queríamos, pelo que se perspetiva mais um ano bastante difícil para todos - pior do que o anterior, por já ser o segundo ano consecutivo sem receitas.

FT – A Ganadaria João Gaspar tem sido uma presença habitual no Ciclo de Tentas comentadas que se têm realizado na Ilha. Qual a sua importância para a ganadaria?

JG - Sim, temos participado nos Ciclos de Tentas comentadas e achamos que, de facto, estas são uma mais-valia para todos. Para os ganadeiros, porque encontram naquelas um espaço privilegiado para tentarem os seus animais e fazerem a respetiva seleção; para o público em geral porque tem a oportunidade de assistir a tentas que são comentadas, o que se traduz numa maior aprendizagem sobre o que se está a ver; e para a festa brava, porque encontra neste evento mais um espaço para a sua promoção e valorização.

FT – Na sua opinião, é indispensável a presença de matadores espanhóis nas tentas bem como nas corridas que se realizam na ilha?

JG - Penso que os matadores espanhóis dão um importante contributo a estes eventos, engrandecendo-os com a sua presença.

FT – Este ano (2020), em outubro, as tentas decorreram em moldes diferentes dos habituais. Quais as diferenças entre estas tentas e as realizadas, por exemplo, em abril de 2019?

JG - Foram tentas bastante diferentes das habituais, desde logo porque as de 2019 também foram um pouco diferentes das realizadas em anos transatos. Em 2019 o Ciclo de Tentas foi integrado numa iniciativa promovida pela Associação Regional de Criadores de Touros de Tourada à Corda, Tertúlia Tauromáquica Terceirense e Tertúlia Tauromáquica Praiense, chamada Arraial Taurino, o que fez com que fosse um ano em que este evento foi bastante participado. Por contrário, no ano seguinte, em 2020, as tentas decorreram já durante a pandemia, causada pela COVID-19, o que fez com que fossem realizadas num único espaço – na Praça de Toiros da Ilha Terceira – e não em diversos tentaderos espalhados pela ilha, como habitualmente, e que tivessem um público muito mais reduzido, desde logo por não terem sido alvo de divulgação, como medida de contenção da pandemia.

FT - Qual o balanço para a ganadaria em ambos os anos?

JG - Fazemos um balanço positivo de ambos os anos.

FT - Perante a atipicidade deste ano, a Ganadaria João Gaspar, além da participação no Festival de Beneficência realizado pela Tertúlia Tauromáquica Terceirense, marcou presença em mais alguma atividade tauromáquica?

JG - Não. Foi a única actividade tauromáquica em que participamos, tendo na ocasião, corrido dois touros.

FT - A ganadaria tinha atividades ou eventos marcados que devido à pandemia tenham sido cancelados? Qual o seu prejuízo?

JG - Sim. Tal como as restantes ganadarias, tínhamos já várias touradas contratadas, quer de corda, quer de Praça. O seu cancelamento representou um prejuízo elevado e que fez com que tivéssemos que abater animais, alguns deles sem serem tentados.

FT – O que significa: “Ter toiros apartados”?

JG - Significa ter um lote de animais que, por virem a ser corridos a breve trecho, são alvo de uma atenção especial, designadamente ao nível da sua alimentação, para que tenham a melhor apresentação possível.

FT – O que acontece aos toiros que teria apartados, por exemplo, para as corridas de São João que se realizariam no passado mês de junho?

JG - Mantivemos o lote de animais que tínhamos apartados para serem corridos em 2020, para que fossem corridos em 2021. Infelizmente, à partida, só será corrido metade deste lote.

FT – Sendo as “Sanjoaninas” uma das festas mais importantes da Ilha e das quais fazem parte corridas de toiros, sente que a ganadaria ganha um maior reconhecimento e prestígio? De que forma se refletem?

JG - Sim, sem dúvida. A Feira de São João é uma das maiores feiras do país, trazendo à ilha Terceira artistas de renome, com atuações nas maiores Praças do mundo. É, sem dúvida, um importante palco para qualquer ganadaria.

FT – Já tem toiros apartados para corridas que se possam realizar em 2021?

JG - Sim. Os touros que não foram corridos em 2020 e, os de quatro anos, que seriam corridos em 2021. 

FT – O que falta para termos o prazer de ver a vossa ganadaria no Continente?

JG - Primeiramente o convite. Depois envolveria, naturalmente, uma logística exigente, mas que não nos parece de todo impossível.

FT – Todos os anos conseguem utilizar a camada existente?

JG - Não. Habitualmente não utilizamos toda a camada, no entanto, dado que não há uma grande variação do número de espetáculos que são realizados por ano, conseguimos prever antecipadamente quantos animais podemos eventualmente precisar e fazemos por não deixar a ganadaria crescer muito mais do que o necessário, para dar resposta às solicitações que à partida iremos ter.

FT – A ganadaria João Gaspar abre a sua porta a turistas?

JG - Sim. Sempre que somos contactados por particulares ou por agências de turismo, e sempre que possível, temos todo o gosto em mostrar o nosso trabalho e o resultado do mesmo.

FT – Que outras atividades fazem parte do dia-a-dia da ganadaria?

JG - Considerando que nenhum dos membros da família está exclusivamente dedicado à ganadaria não temos oportunidade de desenvolver muito mais atividades do que aquelas que são as necessárias à sua boa manutenção e à sua visitação quando solicitado.

FT – Possuem alguma forma de divulgação do vosso trabalho? Qual?

JG - Sim. O principal meio de divulgação da ganadaria é através das redes sociais, nomeadamente através do Facebook, onde temos uma página, que pode ser seguida por todos os aficionados. Poderão encontrar-nos naquela rede social pesquisando por “Ganadaria J-G João Gaspar”.

FT – Para além de ganadeiro o João Gaspar tem outros “hobbies”. Um deles, de muito valor e fora do comum, surge na altura natalícia. Pode falar-nos um pouco dessa ideia, no que consiste e como surgiu?

JG - Para mim, um dos maiores prazeres da vida é o tempo que passamos com a família e amigos e, por isso, tudo o que proporcione estes momentos é uma coisa que eu gosto. Pelo Natal, um grupo de amigos formou um grupo de Reis, que no período entre o dia de Natal e o dia de Reis visita a casa de familiares e amigos, brindando-os com cantigas alusivas à época. Tendo sido convidado para o integrar, foi com muito gosto que o fiz e que o integro anualmente desde há alguns anos.

FT – Pudemos vê-lo no desfile das marchas populares de S. João, em 2019. Como se proporcionou esta participação e por quem desfilou?

JG - As marchas populares são também um espaço privilegiado de convívio e confraternização, pelo que, tendo sido convidado, há uns anos, para integrar, com a minha esposa, a marcha da nossa freguesia, foi com muito gosto que dissemos que sim e que temos então participado ativamente nas marchas que a Junta de Freguesia da Ribeirinha organiza.

FT – Possui mais algum atributo que queira dar a conhecer aos nossos leitores?

JG - Não. E eu não classificaria as participações de que falamos acima propriamente como atributos. Acho que se trata mais de gostar de participar e de não me acanhar com isto. Pelo Carnaval, há cerca de três anos, também fui convidado para integrar um bailinho, mais uma tradição da ilha Terceira, e, apesar de nunca ter integrado qualquer grupo de teatro ou no âmbito da representação, aceitei o convite e foi mais uma boa surpresa.

FT – Como concilia todas estas atividades?

JG - O tempo nunca é suficiente para tudo o que gostaríamos/precisaríamos de fazer, mas faço por não abdicar de momentos e atividades que também me dão gozo, para além da minha atividade profissional. A minha esposa também gosta e acompanha-me em muitas destas atividades, o que ajuda a tornar todas estas participações mais fáceis.

FT – Quais os sonhos e projetos futuros tanto para o João Gaspar como para a ganadaria?

JG - Os últimos dois anos foram muito desafiantes para mim e para a Ganadaria, não só pela circunstância da pandemia, que tem influenciado e condicionado a vida de todos nós, mas também porque vi o trabalho que tinha com a ganadaria e com a minha exploração agrícola crescer, por ter herdado e adquirido animais e pastagens na sequência do falecimento do meu pai. O meu filho, que tem um papel muito ativo na vida da ganadaria, irá casar-se no próximo mês de junho, o que também vai concorrer, naturalmente, para a existência de uma mudança na dinâmica de todo o trabalho.

Assim, o que posso dizer é que sonhos e projetos não nos faltam, no entanto não sabemos ainda bem como os mesmos se desenvolverão nos próximos tempos e que realidades teremos que adaptar, para integrar todas estas circunstâncias.

A luta contra a pandemia também ditará parte deste futuro, dado que se a mesma se prolongar para o próximo ano teremos que rever e ponderar várias decisões.

FT – Descreva-nos a ganadaria e o homem João Gaspar numa só palavra.

JG - Humildade.

NUMA PALAVRA:

Um cavaleiro(a)?

António Ribeiro Telles

Uma ganadaria?

Murteira Grave

Um forcado?

João Pedro Ávila

Um toureiro?

Manzanares

Um bandarilheiro?

Rogério Silva

Uma praça?

Praça de Toiros da Ilha Terceira

Um cavalo?

Dóllar, de Luís Rouxinol

Um colega?

Luís Silva

Corrida ou Corda?

Corda

Um jogador?

Cristiano Ronaldo

Um filme?

Nenhum em particular

Paia ou campo?

Campo

Um país?

Portugal

Uma cidade?

Santarém

Um livro?

Nenhum em particular

Comida favorita?

Bacalhau à portuguesa

Um clube?

Sporting

Uma viagem?

Feira de Olivença

Um desporto?

Futebol

Um destino de férias?

México

Um sonho?

Saúde

FT – Uma palavra/sugestão para o Forcadilhas e Toiros.

JG - Muito obrigada pela oportunidade de partilharmos o nosso trabalho e votos de muito sucesso na promoção e defesa da festa brava.

Texto e fotos: CÉLIA DOROANA, ANTÓNIO VALINHO, ARMANDO ALVES