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À CONVERSA COM.... JOÃO PEDRO ÁVILA, CABO DOS FORCADOS DA TERTULIA TAUROMÁQUICA TERCEIRENSE
À CONVERSA COM.... JOÃO PEDRO ÁVILA, CABO DOS FORCADOS DA TERTULIA TAUROMÁQUICA TERCEIRENSE
11 de Junho de 2021

Um cabo que sente o peso de representar uma Ilha.

Nome: João Pedro Martins de Ávila

Data de nascimento: 05/01/1987

Natural de: Angra do Heroísmo

Nacionalidade: Portuguesa

FT – Neste ano atípico de pandemia causada pelo Coronavírus, em que muitas das atividades previstas não se realizaram, o João completou no dia 24 de Junho, dois anos como cabo do Grupo de Forcados Amadores da Tertúlia Tauromáquica Terceirense. Que balanço faz destes dois anos?

JPA - Foram dois anos desafiantes. O grupo atual conta maioritariamente com elementos muito jovens, com muito potencial, mas cuja inexperiência se tem refletido na consistência das nossas atuações. Temos alternado entre altos e baixos ao longo destas duas épocas, mas o balanço acaba por ser positivo.

FT – O que mais realça do dia em que se tornou cabo do grupo e qual a melhor memória?

JPA - Essencialmente o facto de a corrida em causa ter coincidido com uma data comemorativa do grupo em que estavam fardados elementos antigos, o que me permitiu ter uma retrospetiva de todos os momentos que vivi junto daqueles forcados que admiro e tê-los ao meu lado foi, sem dúvida, marcante.

FT – Antes de ser cabo já era forcado no grupo. Há quantos anos?

JPA - A minha estreia pelo grupo foi em 2002 na feira da ilha Graciosa. No entanto, a ligação ao grupo já vinha desde os meus nove anos, altura em que entrei para o grupo juvenil (a escola de iniciação que serve de entrada para o grupo sénior).

FT – Descreva-nos como foi esse percurso.

JPA - É um percurso de alguns anos em que tive momentos muito bons e outros menos bons, como faz parte da carreira de todos os forcados. Tive a sorte de pegar em praças e em corridas importantes para a história do grupo e sinto-me orgulhoso de poder contribuir para dignificar a nossa jaqueta. Para além disso, também tive a sorte de desempenhar vários papéis em praça, desde forcado da cara a ajuda nas diferentes posições, o que me possibilitou viver diversas fases enquanto forcado.

FT – Existiu algum contratempo que o fizesse pensar em desistir da forcadagem?

JPA - Desistir em concreto nunca foi o meu desejo. Claro que, ao longo da minha trajetória, houve momentos na sequência de lesões significativas em que fiz uma séria introspeção acerca do meu futuro no grupo. Mas as dúvidas estão presentes em todos os forcados e, nessas alturas, sempre se sobrepôs a minha vontade de ajudar os meus companheiros e falou mais alto o sentido de responsabilidade em servir um grupo com tanta história como o da Tertúlia Tauromáquica Terceirense.

FT - Ser cabo do grupo era uma ambição? Quais os aspetos positivos e negativos de assumir esse “papel”?

JPA - Ao longo do meu percurso nunca pensei em ser cabo. Só queria ser útil ao grupo dentro e fora de praça. No entanto, a certa altura, o grupo decidiu que essa utilidade devia revestir a forma de liderança e, após séria ponderação, decidi aceitar o desafio. De aspetos positivos destaco a evolução e a renovação de gerações que, certamente, garantirão um futuro auspicioso ao grupo. Pela negativa, o facto de fazermos sofrer quem gosta de nós.

FT – De que forma “comanda” o seu grupo?

JPA - Comando o grupo com naturalidade. Tento sempre ser próximo de todos os elementos. O grupo é para todos nós como uma segunda família e todos sabem que podem contar comigo para partilhar os seus problemas, sem nunca descurar a exigência necessária que tenho de ter para com cada um dos elementos.

FT - No que consistem os vossos treinos? Têm facilidade em arranjar animais para treinar?

JPA - Temos treinos sem gado nos quais nos focamos essencialmente na parte técnica (com a taurina) e na parte física. Por outro lado, temos treinos com gado (vacas, novilhos e toiros) nos quais colocamos em prática a forma de pegar que pretendo que o grupo prossiga. O grau de dificuldade em conseguir treinos com gado varia conforme a disponibilidade dos ganaderos, a quem aproveito para agradecer toda a ajuda que nos dão durante o defeso para nos apresentarmos com alguma rodagem no início da época.

FT – Como é a ligação entre os forcados e os ganadeiros da terra?

JPA - É muito boa. A colaboração dos ganaderos é essencial para a nossa preparação antes do início das épocas e, em simultâneo, com os treinos que nos concedem, eles têm também a oportunidade de avaliar as suas reses e aferir da sua bravura. É uma relação proveitosa para ambas as partes e, consequentemente, ao longo dos anos estabelecemos laços de amizade que perduram.

FT – Do que depende a escolha dos forcados para realização de uma pega de caras e de uma pega de cernelha?

JPA - Depende sempre das vicissitudes dos toiros que nos calham em sorte e das capacidades técnicas e físicas dos forcados que estão fardados.

FT – Incute no grupo o espírito de “Um por todos e todos por um”?

JPA - Sim, esse espírito é essencial num grupo de forcados. É um dos princípios basilares, mas só é possível quando todos os elementos o sentem verdadeiramente.

FT – Qual o balanço desta temporada atípica em comparação com temporadas anteriores, nomeadamente a de 2019?

JPA - Foi uma temporada realmente atípica pela conjuntura pandémica que se instalou. Mesmo assim, acaba por ser um balanço positivo pelo simples facto de o sector tauromáquico ter conseguido organizar corridas. Era essencial num ano tão difícil que se dessem corridas, e assim foi!

FT – Como foi participar numa corrida e em dois festivais de beneficência cumprindo as normas da Direção Geral de Saúde?

JPA - Acabou por ser bastante demonstrativo dos valores que regem a tauromaquia. Num panorama tão adverso, conseguir organizar corridas e reverter a receita para os que mais necessitam é algo que deve encher de orgulho todos os aficionados. Relativamente às medidas de segurança, as mesmas eram imprescindíveis e nós, enquanto intervenientes ativos, tivemos de nos adaptar à realidade que nos foi imposta pela pandemia.

FT - No que veio a pandemia afetar a atividade do vosso grupo? Quais as maiores dificuldades sentidas e o que foi feito para as tentar ultrapassar? Obtiveram algum tipo de apoio?

JPA - Essencialmente, ficámos afetados pela redução do número de corridas e pelo constrangimento nos convívios com os elementos e simpatizantes do grupo.

FT – Com um futuro próximo ainda incerto, quais os eventuais projetos para o grupo na próxima temporada? Já possuem algumas corridas agendadas?

JPA - Sim. Já temos algumas corridas agendadas, pese embora a instabilidade do tempo em que vivemos não nos permita avançar com um número de corridas em concreto.

FT – Para além de corridas, existem outras atividades ou eventos organizados pelo grupo?

JPA - Sim. O nosso grupo é uma instituição de relevo na ilha com 48 anos e responsabilidade social na nossa comunidade. Promovemos frequentemente eventos de cariz solidário, para além dos convívios festivos com a família e apoiantes do grupo, nomeadamente a propósito do Natal.

FT – Quais as maiores dificuldades ou desvantagens sentidas no percurso de um grupo de forcados insular, quer aqui na Ilha quer em relação a grupos continentais?

JPA - As dificuldades advêm efetivamente da nossa condição geográfica. Embora sejamos presença assídua em feiras no continente, é difícil alcançarmos um número elevado de corridas por temporada, uma vez que os custos de deslocação e estadia são substanciais e que todos os forcados desenvolvem a sua atividade profissional na ilha, pelo que todas as digressões têm de ser estudadas e previstas ao pormenor com a devida antecedência e contando com os constrangimentos referidos.

FT – No dia 23 de Fevereiro de 2019 representou o seu grupo, no Dia da Tauromaquia, realizado no Campo Pequeno. O que pensa deste tipo de iniciativas com a inclusão dos grupos insulares ou dos seus representantes?

JPA - Acho importante para promover a afición junto das camadas mais jovens, num dia que é preenchido e bem passado repleto de atividades taurinas. Em relação à configuração do festival que integra o programa, sou mais partidário do formato adotado em 2020 no que toca à composição dos grupos de forcados.

FT – Em Abril do mesmo ano decorreu na ilha o primeiro Arraial Taurino, associado ao Ciclo de Tentas Comentadas, onde o seu grupo marcou presença nas várias atividades e inclusive com a exploração de uma tasca de comes e bebes. Qual o balanço desta iniciativa para o seu grupo?

JPA - Foi extraordinário. Um fim-de-semana taurino em que os aficionados se juntaram para conviver e falar de toiros. Este tipo de eventos é muito importante para promover e fomentar a afición na população e para nós serviu para angariar receita para ajudar nas deslocações ao continente feitas pelo grupo.

FT – A Região Autónoma dos Açores foi homenageada a 11 de Julho de 2019, no Campo Pequeno, numa corrida onde estiveram presentes o cavaleiro Tiago Pamplona e os dois grupos insulares. As perspetivas que provavelmente tiveram para essa corrida foram conseguidas?

JPA - Sim, foi uma festa da tauromaquia açoriana em que os aficionados presentes na praça do Campo Pequeno certamente ficaram com uma boa impressão daquilo que é a nossa tauromaquia e os seus intervenientes. Fizemos duas boas pegas ao primeiro intento e sentimo-nos acarinhados pelo público da capital. Temos muita vontade de voltar a pisar a praça do Campo Pequeno e esperemos que isso aconteça em breve.

FT – Essa corrida, para si, foi uma justa homenagem aos Açores?

JPA - Os Açores e, principalmente a ilha Terceira, são uma das zonas geográficas com mais tradição e importância no panorama tauromáquico a nível nacional, por esse mesmo motivo, e pela qualidade dos nossos intervenientes, justifica-se, a meu ver, a presença constante dos intervenientes tauromáquicos açorianos nas praças do continente, desde as ganadarias, passando pelos toureiros e grupos de forcados.

FT – O seu grupo marcou presença, nesse ano, nas corridas das maiores festas da ilha, as Sanjoaninas e as Festas da Praia. Prepararam-nas de forma especial? Qual o saldo final dessa participação?

JPA - A feira de São João inserida nas Sanjoaninas é a nossa feira de eleição. O nosso público, as nossas festas, a nossa praça. É sempre um marco fulcral para nós ano após ano. Muitas vezes é nas Sanjoaninas que começamos a época, o que acarreta um peso ainda maior para nós e acaba por servir de mote para o resto da temporada. A corrida das Festas da Praia surge numa fase mais avançada da época, onde reencontramos o nosso público e onde temos conseguido triunfar ao longo dos anos.

FT – Para além da Praça Monumental da Ilha Terceira e do Campo Pequeno, tivemos a vossa presença nas praças continentais de Abiul e Coruche. Nesta última, o grupo arrecadou o prémio em disputa para melhor pega. Qual o significado deste prémio?

JPA - O nosso grupo felizmente já teve a oportunidade de pisar várias das principais praças do país. Em relação aos prémios, o que tento incutir no meu grupo é que a exigência máxima tem de ser para connosco próprios. Os prémios são gratificantes, mas surgem por acréscimo.

FT – A que se deve a sua opção pela forcadagem?

JPA - Como já referi, entrei para o grupo juvenil ainda com nove anos. Na altura, entrei pelo convívio e depois de aprender as bases técnicas e os valores enraizados no grupo, mantive-me até aos dias de hoje.

FT – Considera, de um modo geral, que o facto de ser forcado influência a personalidade de um homem?

JPA - Inevitavelmente sim. O toiro é um animal marcante e apaixonante e cada forcado, à sua maneira, molda a sua personalidade em função das experiências vividas no seio de um grupo. O toiro e toda a envolvência das corridas estão presentes no meu pensamento todos os dias, sendo assim, certamente não seria a mesma pessoa que sou hoje se não fosse forcado.

FT – E o João, é um homem diferente por ser forcado? Qual o peso da forcadagem na sua vida?

JPA - Para mim, ser Forcado é uma forma de estar na vida.

FT – Quando entra em praça, costuma usar algum amuleto ou tem algum ritual?

JPA - Não tenho nenhum ritual.

FT – Lembra-se de que ganadaria era o primeiro toiro que pegou e o que sentiu?

JPA - Foi um toiro de Rego Botelho na Graciosa, em 2002. Era muito novo, mas lembro-me da ansiedade que senti nos momentos antes da pega e a felicidade após ter conseguido concretizá-la.

FT – Qual o seu pensamento em relação às ganadarias portuguesas?

JPA - Sou um apreciador confesso de muitas ganadarias portuguesas. O facto de conseguirmos distinguir a ganadaria pelo comportamento do toiro e pela diferente morfologia identitária de cada divisa, é algo que me encanta. Em Portugal lidam-se toiros encastados, com diversidade de comportamentos e encastes, o que traz uma riqueza incalculável à tauromaquia portuguesa que deve ser enaltecida e preservada.

FT – Considera existirem diferenças entre uma corrida nas ilhas e uma corrida no Continente?

JPA - Cada praça tem as suas características. O público da ilha Terceira é conhecido no meio tauromáquico por ser um público conhecedor e exigente. Existem partidários das diversas ganadarias açorianas e os aficionados entram num despique saudável que se sente nos tendidos. Nós sentimos essa atmosfera cada vez que pisamos a monumental da nossa terra e isso revela a identidade própria dos nossos aficionados.

FT – Dentro da forcadagem, no ativo ou retirado, tem algum ídolo?
JPA - Ao longo dos anos temos tido forcados extraordinários a pisar as arenas e a marcarem as suas gerações, tenho muitos referenciados e tentei deles retirar as características com que mais me identifico. Ídolos são todos aqueles que representaram e representam o GFATTT.

FT – Qual a sua visão sobre a Tauromaquia portuguesa e em particular a da Ilha Terceira?

JPA - Vivemos tempos em que a tauromaquia é alvo de ameaças permanentes, fruto de lobbys pseudo-animalistas. Merecemos que nos respeitem, sendo que nós próprios, enquanto aficionados, temos o dever de encontrar formas de divulgar a essência dos toiros, desmistificando certos mitos urbanos que querem rotular ao sector. Na ilha Terceira, felizmente, a verdade é que existe um culto ao toiro enraizado na generalidade da população (quer seja nas corridas de praça ou nas touradas à corda), o que faz com que o toiro bravo faça parte da vida dos terceirenses. Acima de tudo, penso que devemos encontrar formas robustas de mobilização conjunta contra as ameaças exteriores que cada vez mais vão surgindo, sempre partindo de um prisma otimista de promoção e expansão da tauromaquia, e não apenas de uma visão redutora de sobrevivência moribunda.

FT – Sente que a tauromaquia na Ilha é apoiada quer a nível governamental quer a nível dos populares? Se o futuro desta cultura estivesse nas suas mãos, o que faria?

JPA - A nível da ilha, conforme já referi, o apoio popular é esmagador, sendo que com essa realidade sai beneficiado o sector e a região em geral, nomeadamente por via das potencialidades do turismo associado ao toiro. Em relação à segunda questão, entendo que o futuro dos toiros no futuro deve passar pela sensibilização do público em geral, e especialmente dos jovens. A tauromaquia, e toda a envolvência da vida do toiro bravo, deve ser divulgada como uma arte sem paralelo, onde beleza e tragédia (reais) estão de braço dado numa simbiose que faz com que uma corrida de toiros seja algo de único! Para tal faz falta que se crie afición, que voltemos às tertúlias e aos colóquios e que falemos de toiros para que existam aficionados mais informados capazes de transmitir ao leigo aquilo que realmente é o toiro e uma corrida de toiros.

FT – Qual o seu maior apoio na atividade de forcado? Sempre teve o apoio da sua família? JPA - Tenho a sorte de ter encontrado um núcleo de amigos desde os meus inícios no grupo juvenil que acompanham e partilham o meu trajeto desde essa altura. Felizmente os meus familiares respeitam esta minha forma de encarar a vida.

FT – Quem é o João Pedro Ávila fora das arenas?

JPA - Uma pessoa perfeitamente normal que gosta de estar com a família e com os amigos.

FT – No seu meio profissional sente algum tipo de discriminação por ser forcado?

JPA - Não. Pelo contrário. A minha entidade empregadora sempre foi muito colaboradora e compreensiva nesse aspeto.

FT – Tempos livres, existem? Como os ocupa?

JPA - Existem e são passados em família e com os amigos mais próximos.

FT – Como concilia a sua vida profissional e familiar com os toiros e as restantes atividades em que participa?

JPA - Tal como qualquer outra pessoa tento conjugar da melhor forma as diferentes atividades em que estou envolvido, sendo que a minha família contribui e ajuda para que assim seja.

FT – Como nada pode ser só mau… neste ano pandémico, o João ficou mais rico. Foi pai. Esta nova fase da sua vida altera de alguma forma o seu futuro como cabo/forcado?

JPA - A minha vida ficou muito mais feliz, mas a minha trajetória de forcado segue o seu caminho natural.

FT – O que dirá um dia ao seu filhote…

JPA - Direi aquilo que sentir que ele precisa de ouvir para o ajudar a seguir o rumo que ele próprio decidir traçar.

NUMA PALAVRA:

Um cavaleiro(a)?

Tiago Pamplona e João Moura Jr.

Uma ganadaria?

Murteira Grave.

Um forcado?

Diogo Sepúlveda.

Um toureiro?

José Tomás.

Um bandarilheiro?

Fernando Sanchez.
João Pedro Silva

Uma praça?

Monumental da Ilha Terceira.

Um cavalo?

Malhinha.

Um colega?

Não consigo escolher. Todo o grupo.

A sua melhor pega?

Ainda está por acontecer.

Um jogador?

Paolo Maldini.

Um filme?

The Shawshank Redemption

Um destino de férias?

Florença.

Um país?

Itália.

Uma cidade?

Angra do Heroísmo.

Praia ou campo?

Praia.

Comida favorita?

Francesinha

Um clube?

Sporting Clube de Portugal.

Um sonho?

A tauromaquia nunca acabar.


FT – Uma palavra/sugestão para o Forcadilhas e Toiros.

JPA - Continuem com o bom trabalho desenvolvido em prol dos toiros em Portugal e sejam resilientes na defesa da tauromaquia. De resto, agradecer também por levarem a tauromáquica açoriana mais além.

Texto e fotos: CÉLIA DOROANA, ANTÓNIO VALINHO, ARMANDO ALVES