Periodicidade: Diária - Director: Armando Alves - 08/05/2024.
 
 
UM PASSEIO PELOS CAMPOS DA GALEANA E A EXCELÊNCIA DA SABEDORIA DO GANADERO DR. JOAQUIM GRAVE
UM PASSEIO PELOS CAMPOS DA GALEANA E A EXCELÊNCIA DA SABEDORIA DO GANADERO DR. JOAQUIM GRAVE
26 de Fevereiro de 2019

Carolina Duarte fotografou e entrevistou o Dr. Joaquim Grave

"No mês de Fevereiro tivemos o privilégio de passear pelos campos da Galeana, onde pudemos visitar os toiros que pastam tranquilamente na Ganadaria Murteira Grave. Sendo uma das maiores ganadarias do país, conta com 918 hectares onde os animais habitam livremente, e com um efetivo que se encontra entre as 600 e as 700 cabeças de gado bravo.

Foi um dia muito enriquecedor, de sonhar acordado, onde além do gado bravo, tivémos o prazer de conhecer uma boa parte da história que tornou a ganadaria no que hoje conhecemos. Foi-nos ainda possível trocar algumas palavras com o Dr. Joaquim Grave, um ganadero que muito admiramos e que tanto contribui para a preservação da festa brava, e desta espécie que tanto nos encanta e nos une: o Toiro Bravo. Diz-nos o Dr. Joaquim Grave…

FT - O que define um toiro Murteira Grave?

JG - Pergunta difícil... Morfologicamente é um toiro sério, um conceito que não é fácil de definir. Têm trapio, uma expressão que os espanhóis têm, que nós não temos. O trapio não se explica... sente-se. A palavra mais parecida talvez seja apresentação. Têm uma apresentação diferente. Não quer dizer que não haja toiros de outras ganadarias que eu goste muito… Não há nenhuma ganadaria que não tenha toiros bravos e mansos, mas no final o que conta é a média. Quando sai da minha ganadaria um toiro que eu gosto... é um toiro que transmite emoção, quer a mim, quer ao público, quer aos toureiros. Um triunfo com um toiro aqui de casa é um triunfo que os toureiros sentem mais e valorizam mais. Não quer dizer que não haja outras ganadarias iguais.

FT - Em quantas corridas pensa correr os seus toiros nesta temporada?

JG - Esta temporada vou ter os meus toiros em 5 corridas, em princípio duas em Espanha e 3 em Portugal. Em Portugal tenho vendidas as corridas para Évora, no São Pedro, Lisboa e Abiul, contando ainda com mais um toiro para o concurso de ganadarias em Évora. Relativamente a Espanha, levarei os meus toiros a Azpeitia, na região do País Basco, no Norte, e a outra corrida, pelo Sul.

FT - Quais as suas expectativas para esta temporada?

JG - São sempre as melhores! Eu sou exigente e espero que os meus toiros saiam bravos... Quanto mais bravos melhor! É nesse sentido que levanto sempre muito as expectativas e ponho a fasquia alta. Quando vejo toiros meus investirem como eu gosto e ambiciono é uma sensação indescritível , que compensa todos os sacrifícios que fazemos na criação do toiro.

FT - Em que praças gostaria de ver os seus toiros?

JG - Felizmente creio que na Península os toiros Murteira Grave já estiveram nas praças mais emblemáticas, como Madrid, Sevilha, Pamplona, Bilbau... queria voltar a ter toiros nessas praças, quanto mais vezes melhor!

FT - Em termos de afluência às praças, espera que seja melhor este ano?

JG - Sim, já subiram em 2018 em relação a 2017 e espero que continuem a subir.

FT - O que acha que poderia ser feito esta temporada para chamar mais gente à praça e melhorar a Festa Brava em Portugal?

JG - Se melhorarmos a qualidade do espetáculo, só por si, é bom, porque as pessoas que vão ver espalham a notícia de que valeu a pena. Temos que estar sempre focados na melhoria do espectáculo, e para isto devemos, cada um, fazer a sua parte. Eu devo criar toiros mais bravos, que colaborem e dêem mais emoção aos espectáculos, os toureiros deverão focar-se em ter melhor técnica, tourear melhor e ser mais artistas, o público deve trabalhar para ser mais conhecedor e mais respeitador... Cada agente taurino deve procurar melhorar, para o espectáculo melhorar no seu todo. Devemos publicitar e dar a conhecer o tipo de espectáculo que é uma corrida de toiros… um espectáculo, diria eu, pós-moderno, que não tem a ver com a quantidade, mas com a qualidade, e com valores como a ecologia, a solidariedade, a amizade, a estética, a ética... Tudo isso deve ser explicado à sociedade e, sobretudo, aos jovens, que são os futuros aficionados do amanhã.

FT - Relativamente ao projecto de lei referente à utilização de velcros, qual a sua opinião?

JG - A proposta de utilização do velcro não é mais que uma tentativa de abrir um caminho para terminar a tauromaquia. Uma das características desta arte é a de ser uma arte verdadeira. Costuma dizer-se que “O toureiro é um actor que pode morrer de verdade” . O toiro responde à dor com a agressividade. Se não tiver esse castigo terá um comportamento muito mais suave, a corrida perde emoção, e o próprio ganadero não poderá seleccionar bravura. A selecção da bravura passa pela selecção dos animais que crescem ao castigo. Por esse rumo, ao fim de algumas gerações perdia-se a selecção, não haveria toiros bravos, mas sim toiros colaborantes. A bravura deve ser de menos a mais e não de mais a menos, algo que é impossível com a utilização dos velcros.,

FT - No seu entender quais foram os melhores e piores momentos da época passada?

JG - A meu ver, foi muito boa a minha corrida em Lisboa. A nível de toureiros, creio que o António Ribeiro Telles deu uma dimensão de classicismo e de veterania absolutamente fantásticos e fora de série. É um cavaleiro e um artista que dá gosto ver. De facto, só é pena que não tenha menos vinte anos!

Os pontos piores são sempre as lesões dos forcados que, para mim, são sempre bastante traumatizantes. De facto, é uma sorte tão portuguesa e tão nossa, que deve ser sempre exaltada e, se possível, não devem haver lesões graves, como infelizmente tem havido. Realço também como ponto negativo da festa, a permissividade com que se deixam actuar os animalistas anti-taurinos que, em desrespeito pela constituição e pelas leis, se manifestam ofendendo espectadores que se encontram pacificamente dentro das praças de toiros.

FT - Qual acha que é o rumo que está a tomar a tauromaquia em Portugal? Pensa que ainda há espaço para crescer?

JG - Penso que sim. Em Portugal temos que ter cuidado, porque hoje em dia há formas de espalhar as mentiras cada vez mais eficientes. Penso que o toiro tem que ser explicado aos jovens pela cultura e tem que se explicar à sociedade que a bandeira do toiro é ecológica, o que é muito difícil, porque as sociedades estão cada vez mais urbanizadas. Não há nenhuma raça que respeite tanto os ecossistemas e a ecologia como o toiro bravo. Ao defender o toiro bravo estamos a defender o javali, a lebre, o coelho, a águia, o grou. Temos que explicar que é uma raça que ajuda a defender a natureza. Se não houvesse aqui uma ganadaria brava, provavelmente haveria uma ganadaria mansa, com um encabeçamento mais forte... haveria uma intensificação. A raça brava é uma raça que defende o sistema extensivo, de maneira que a bandeira ecológica é a da tauromaquia.

Hoje em dia a sociedade confunde os animalistas com os ecologistas, e eles são o oposto um do outro. O animalista é contra a ecologia. Muitos ecologistas esquecem os seus princípios e defendem princípios animalistas. Para se defender o toiro de lide tem que se defender a lide do toiro, que é algo difícil de compreender para quem apenas vê aqueles 15 minutos da praça. Um toiro de lide é mais e melhor vida. Vive quase 3 vezes mais que os outros, em liberdade, pasta, come erva... Tem que se explicar à sociedade o que é esta raça, e que defender a sua criação e o espectáculo é defender certos valores que estão cada vez mais esquecidos. Eu costumo dizer que quem é contra os toiros, não o é por excesso de sensibilidade, mas sim por um défice de sensibilidade. Considero para se ter uma reacção fundamentada sobre qualquer arte ou espectáculo, é necessário conhecer e entender esse espectáculo e que rejeitar à partida sem pensar, é uma reacção reflexa, como a de um animal. Ninguém vai a uma praça de toiros para ver sangue nem para ver sofrer um animal. Hoje em dia as pessoas têm algumas notícias da vida pública dos toiros, que dura 15 minutos, mas não conhecem a vida privada, que dura 4 anos. Por isso é que cada vez mais abro as portas aqui da propriedade, para que esta vida do toiro no campo seja conhecida por muitíssimo mais gente.

FT - Que conselho dá aos jovens aficionados e praticantes de actividades tauromáquicas que se estejam a iniciar neste mundo?

JG - O conselho que eu dou aos jovens é que se aproximem da festa, que conheçam, que leiam, que falem com os mais velhos e que consigam captar a magia que há neste espectáculo, que é diferente de todos os outros... Que tenham a noção do difícil que é ser toureiro, mas que saibam também que é uma das profissões mais belas do mundo, sem dúvida. Espero que haja muitos jovens que ambicionem isso, mas também que trabalhem e que tenham a capacidade de se sacrificar por conseguir ser figuras do toureio, que é de facto uma satisfação enorme para qualquer pessoa

Texto e fotos: CAROLINA DUARTE